26.5.06

No fundo do bolso das calças

Eu quero escrever até a mão me doer. Amanhã não estou cá. E se abrir a porta e o vento me soprar na cara? Que devo fazer com tudo o que não guardei no bolso? Talvez devesse gritar. Talvez não devesse fazer nada. Mas que digo eu? Se calhar devia saltar. Sempre que sinto aquele vento, um papel voa pelo ar. Não. Não conseguiria. Mas arrependo-me sempre por não seguir aquele vento que derruba e faz cair. Arrependo-me sempre de guardar as coisas erradas no bolso. Vou partir e espero não me arrepender. Talvez não doa como à partida parece. Não é que não deva fazer. Só que não sei como fazer. Deixo a oportunidade passar por mim, mas às vezes não me arrependo. É por isso que eu vejo a não vontade de não fazer nada. Talvez se eu saltasse. Ou se desta vez guardasse o que realmente interessa no bolso. Talvez sim. Ou talvez não. Quem é que um dia disse que era fácil atirar uma pedra ao rio? Quem é que disse que tudo tem de fazer sentido? Acho que fui eu. São as frases que guardo no bolso.

2 comentários:

Anónimo disse...

tinha isto no bolso das calças.
não sabia o que lhe fazer.
não tem nada a ver com nada.
mas pega.

Sentada no fim do mundo dialogo com a minha própria sombra.
Cansada do que sou me parto ao meio para investigar reflexos, porções.
Ambas as partes se contorcem, porém as razões não podiam ser mais diversas.
Ambas choram, no entanto uma, só, chora e a outra ri também.
Sem esquecer que não sou nenhuma me comovo com as duas.
Tenho pena das suas tristezas e se pudesse tomaria de bom grado o seu lugar para encerrar em mim o seu espectáculo. Ao contrário do que se possa pensar não tenho mais pena de uma do que da outra. O riso é tão triste como o choro ou mais. Uma felicidade nunca se completa, mas uma tristeza sim tem ponto de partida e ponto de chegada. Por isso sofro, duplamente, e sofrendo duplamente sofro por mim também. E somos três as que assim ficamos debruçadas sobre o chão, sozinhas.
De um lado forma-se uma poça salgada e sofrem-se gemidos estendidos nas marcas de suor formadas pelas palmas das mãos, no chão, de pedra. Do outro soltam-se risos secos, que queimam e fazem chorar sangue vermelho, quase castanho. No meio, não se vê um movimento, um sussurro, não se sente um cheiro, não se sente nada, só se sente o nada, que cresce e cresce e cresce até tomar proporções tão grandes, gigantescas, monstruosas e chegar a um ponto em que se torna audível. É então que o branco se transforma em luz e o silêncio dá lugar à loucura, o equilíbrio abriu uma brecha e a queda não tem fim, porque o zero nunca será redondo.

Trovador disse...

Ao Anónimo: obrigado por isto que guardavas no bolso. Obrigado pelo nada a ver com nada, que tem tudo a ver com tudo.