29.5.06

a Inércia

É como quando acordamos depois de uma noite de bebedeira. A boca está pastosa e só apetece beber algo fresco. O chão ainda não está bem debaixo dos nossos pés. A cabeça fica com o dobro do peso. A euforia passageira da noite anterior acabou, esfumou-se em menos de nada, nas três horas mal dormidas. Sentamo-nos no último degrau da escada e vemos a vida passar por nós. É a inércia, o querer fazer tudo e acabar por não fazer nada. Ali no degrau esperamos. Esperamos. Esperamos. Esperamos.
Até acordarmos outra vez de uma noite de bebedeira, com a boca pastosa, sem chão debaixo dos pés, com a cabeça pesada, sem euforia nenhuma.

26.5.06

No fundo do bolso das calças

Eu quero escrever até a mão me doer. Amanhã não estou cá. E se abrir a porta e o vento me soprar na cara? Que devo fazer com tudo o que não guardei no bolso? Talvez devesse gritar. Talvez não devesse fazer nada. Mas que digo eu? Se calhar devia saltar. Sempre que sinto aquele vento, um papel voa pelo ar. Não. Não conseguiria. Mas arrependo-me sempre por não seguir aquele vento que derruba e faz cair. Arrependo-me sempre de guardar as coisas erradas no bolso. Vou partir e espero não me arrepender. Talvez não doa como à partida parece. Não é que não deva fazer. Só que não sei como fazer. Deixo a oportunidade passar por mim, mas às vezes não me arrependo. É por isso que eu vejo a não vontade de não fazer nada. Talvez se eu saltasse. Ou se desta vez guardasse o que realmente interessa no bolso. Talvez sim. Ou talvez não. Quem é que um dia disse que era fácil atirar uma pedra ao rio? Quem é que disse que tudo tem de fazer sentido? Acho que fui eu. São as frases que guardo no bolso.

9.5.06

Eu, os outros

Por vezes, deambulo pelas ruas da cidade, sozinho e, no entanto, acompanhado dos outros. Os outros? Quem são os outros? Eu sou os outros. Eu diluo-me na multidão que sobe as escadas do metro, na estação terminal da ilusão. Eu misturo-me na massa cinzentona que desagua nas pedras da calçada, pisadas e repisadas por sapatos velhos, e que quer apanhar, sem demoras, o autocarro da anomia. Ninguém me conhece. Eu não conheço ninguém. As caras e as mãos são-me estranhas. Encosto-me à estátua sentada e fico à espera de nada. Vejo os outros passarem por mim, de olhos postos no chão. É a vida invernosa da cidade que dura o ano todo. Também eu vou acabar por erguer-me e andar, de olhos postos no chão. Não há nada de novo aqui e eu, como os outros, vou tropeçar naquele degrau em que todos tropeçam. Eu não sou mais do que os outros. E continuo a deambular sozinho.

4.5.06

Quatro do Cinco

Falo-te daqui da casa vazia da minha tristeza. Os meus olhos estão quentes. Sabes que nunca chorei por ninguém? Não gasto as minhas lágrimas assim tão facilmente.
A saudade aperta e gostava muito que regressasses. Que te sentasses bem junto de mim para eu te poder abraçar. Gostava de te cantar aquela música que por brincadeira te cantava e que era só tua. Lembras-te?
A saudade aperta, mas sei que não podes regressar.
Aceito-o. Estou em paz. Tu continuas aqui comigo.

Sempre e para sempre.